Esse é o diário de bordo do Corpo Móvel. Aqui eu, Alex Dias, anoto minhas percepções, sensações e tudo que for relevante no processo de investigação e prática entre a dança e o Método Feldenkrais.

Inicio com a primeira edição do Laboratório de Pesquisa e Experimentação, ocorrida entre novembro de 2022 e fevereiro de 2023.

15 de fevereiro de 2023

Encerramento da Edição 2022/2023 do Laboratório

Foi um prazer poder oferecer esse laboratório em que aprendemos um pouco mais sobre nós mesmos, nossos movimentos e nossa potência enquanto seres humanos. Para encerramos essa jornada, fizemos uma conversa regada a reflexões sobre o processo e sobre as possibilidades de aprendizado fundamentadas na experiência corporal subjetiva.

Essa edição do Laboratório foi aprovada no edital FEC 01/2021 – Desperta Cultura com patrocínio do Fundo Estadual de Cultura de Minas Gerais.

Nossa conversa está no canal do YouTube do Corpo Móvel, que você pode assisti-la clicando no link abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=Rii5otgFcR8

Se quiser saber mais sobre o projeto ou sobre o Método Feldenkrais me escreva.

Até a próxima edição.

14 de janeiro de 2023

O que faz um movimento ser dança?

Para Moshé Feldenkrais movimento é vida e uma vida sem movimento é impensável. É através de nossos movimentos que interagimos com o mundo, que apreendemos e que trocamos com o meio. Não estamos falando somente do movimento humano, mas tudo o que tem vida, em essência, tem movimento, seja humano ou não humano.

A palavra movimento em sua etimologia vem do latim movere, colocar-se em marcha, deslocar-se. Um movimento, então, é um ato ou um processo do mover. Nesse deslocamento aproximamos e afastamos de algo ou de alguém. Redefinimos distâncias, projetamos tempo e espaço a partir da nossa percepção motora. Mas o que faz um movimento ser dança?

Essa pergunta surgiu em nossa aula durante uma improvisação dançada, após a experiência com uma lição do Método Feldenkrais, que explorava o movimento dos ombros em relação com todo o corpo. Em nossa conversa após a exploração de cada um em sua dança, trabalhamos em cima de algumas perspectivas. Entre elas a de que o movimento pode ser dança na amplitude, no ritmo, na intenção, na composição e na integração de um estado de ser íntimo e livre.

Destaco três palavras que chamaram atenção: intenção, composição e intimidade.

Em uma entrevista, a filósofa de dança americana Maxine Sheets-Johnstone faz uma diferenciação sobre movimento e dança: “Eu só posso dar uma resposta curta para a questão da diferença entre o movimento e dança nesta entrevista. Essa resposta curta é: A dança é uma forma de arte criada, criada não para servir a qualquer propósito mas criada por si própria. Sua integridade estética predomina sobre qualquer história que ela possa querer contar, por exemplo, ou qualquer ‘mensagem social’, que talvez queira apresentar. Movimento na vida cotidiana – tanto o movimento de seres humanos ou de animais não humanos – normalmente não é nem criado por si mesmo, nem criativo”. Ou seja, a dança é criada não para servir, mas para ser e o movimento não é criado, nem criativo, mas ele é. Por incrível que possa parecer eu vejo uma aproximação entre o que ele propôs enquanto diferença.

Eu venho, há um tempo, me debruçando sobre uma dança que seja tão intima quanto a mais cotidiana de nossas ações. Não falo de trazer o movimento cotidiano para a cena, mesmo que isso tenha tomado corpo em várias propostas coreográficas desde os anos 1960, mas como um movimento coreografado de dança pode ser executado de maneira tão intima que se torne cotidiano para quem o executa? Podemos pensar que um dançarino que possua um domínio técnico possa fazer essa passagem. Sim, alguns conseguem, mas o domínio de uma técnica não é garantia de sucesso nessa empreitada. O que pode levar, então, alguém a executar um developpé (para ficar em um movimento do senso comum aos dançarinos), que é o desenvolvimento de uma perna em sua extensão no espaço, a executá-lo como se estivesse escovando os dentes? Ou como uma cena de dança pode ser dançada a partir da sensação de intimidade que temos ao escovar os dentes?

Essas são questões que não possuem uma resposta única e precisa, mas ao pensar sobre elas vejo na possibilidade de aproximação entre a ação e a percepção de si uma linha de acesso. Ao propor o Método Feldenkrais como caminho para uma conscientização de si a dançarinos e dançarinas, vislumbro uma possibilidade de encontro do movimento cotidiano com a dança, não somente em sua representação, mas em sua potência de vida.

Enfim, um tema complexo que não tem uma resposta direta. Deixo, por fim, a reflexão de uma participante que nos colocou que não podemos esquecer que a dança, também, está no olhar de quem a vê.

17 de dezembro de 2022

Faça do jeito não habitual, faça diferente

Você já parou para observar como cruza os braços? Qual perna você veste primeiro na calça, direita ou esquerda? O seu primeiro passo é com qual perna? Para Moshé Feldenkrais nossos hábitos estão intimamente relacionados com a imagem que temos de nós mesmos. Para modificarmos nosso comportamento habitual é imprescindível que mudemos nossa autoimagem. Segundo Feldenkrais essa autoimagem se constrói desde os primeiros anos de vida, não é estática, mas vai se delineando à medida que interagimos com o mundo e com a sociedade. A cada nova função motora que desenvolvemos, mudamos nossa autoimagem. Ou seja, nossas experiências corporais subjetivas definem e formam o senso que temos de nós mesmos e a capacidade de coordenar nossas ações.

Uma das maneiras de acessarmos nossa autoimagem é durante as explorações dos movimentos, quando observamos o que está em curso na nossa ação. O professor do método conduz a conscientização de seus alunos e alunas para o que está acontecendo com o todo durante determinado movimento. Ao levantar um ombro do chão, você consegue perceber que sua clavícula move, que sua escápula se movimenta, ou que as suas costelas precisam se reorganizar para permitir que você levante seu ombro do chão? Talvez você perceba que o apoio estabelecido com o chão se modifica para permitir que você levante seu ombro. Você tem uma imagem clara do movimento da sua coluna ao afastar e aproximar seu ombro do chão?

Nesse caminho, vamos descobrindo nossas dificuldades e facilidades. Vamos permitindo que outras regiões, antes embaçadas, comecem a ficar claras na nossa imagem. Assim, com a prática podemos desvencilhar de comportamentos que não nos ajudam mais, que mais atrapalham do que contribuem para nossa realização. 

Muitas vezes, ao fazermos movimentos de maneiras não habituais, temos uma sensação muita estranha, como se não nos reconhecêssemos. Isso aconteceu em nossas aulas, diante da proposição de cruzarmos os dedos das mãos simplesmente mudando cada dedo de lugar. Faça a experiencia: primeiro, cruze os dedos das suas mãos, observe qual dedo está na frente de qual, ou qual dedo de uma mão está entre dois dedos da outra mão. Essa é sua maneira habitual de cruzar os dedos das mãos. Agora mude os dedos de lugar, passando cada dedo para o lado e cruzando suas mãos de uma maneira não habitual. O que você sente?

Ao ampliarmos nossas possibilidades de fazer determinado movimento, seja integrando mais regiões ou mudando o jeito de fazer determinado movimento, ampliamos nossa percepção em relação ao mundo e a nós mesmos. Essas pequenas alterações em nossa atitude, desestabilizam um hábito arraigado e que pode estar nos prejudicando, provocando dores ou incômodos. Fica aqui o convite para fazer diferente o que você já faz cotidianamente.

10 de dezembro de 2022

Desbloqueando hábitos

Estamos estudando nesse primeiro módulo, lições que lidam com funções motoras básicas como flexionar, estender e torcer. Uma delas foi a lição Flexores, que consiste basicamente em flexionar o tronco a partir da posição deitada, com a ajuda dos braços. É uma lição que pode trazer semelhanças com exercícios abdominais, mas com objetivos e foco de atenção totalmente diferenciados. Buscamos levar a atenção para os apoios e a distribuição do peso no chão, buscando integrar todo o corpo na ação. Ao conversarmos ao final da aula, as palavras presença e permissão surgiram como referências para se pensar uma possibilidade de movimento mais integrado com as percepções de cada um, para se pensar sobre a inteligência do corpo: será que essas coordenações que afloraram a partir das percepções já estavam lá, mas a gente não se dá conta e passa por cima delas ao executar os movimentos?

Para os pesquisadores da Somática, termos como relação, conexão, sintonia, ritmo e repadronização passam a delinear um campo abrangente de métodos e suas especificações. Cada abordagem somática busca desenvolver uma conscientização de si a partir da experiência de um todo integrado e dinâmico, a partir da experiência interna e subjetiva. Em nossas aulas, relatos de potencialidade para desbloquear padrões fixados de dor foram relatados por vários participantes, como na fala de uma das alunas: “estava em um momento de resistência com a lesão e com o curso isso modificou e começou a desbloquear”. As mudanças provocadas por uma lição do Método Feldenkrais são fortes e reverberam no dia a dia, quando estamos em nossas atividades cotidianas, pois se processam pela via da experiência sensorial, pessoal, subjetiva e criativa. 

19 de novembro de 2022

Descobrindo novos caminhos

O projeto Corpo Móvel: Dança e Método Feldenkrais, se propõe um Laboratório de experimentação de movimento, que trabalha na interface entre dança e Método Feldenkrais de Educação Somática. Originalmente foi pensado para estudantes e profissionais da dança, buscando construir pontes entre formação e profissionalização, aproximando o ensino e a atuação em dança das práticas de si.

Experimente: deite-se por alguns instantes e leve sua atenção para o contato estabelecido com o chão. Onde sente mais pesado, onde está mais leve? A distância entre o lado direito da sua cintura e o chão é a mesma na direita e na esquerda, ou você sente que um lado está mais próximo do chão que o outro? Deixe sua atenção viajar pela sua sensação. Acolha essa experiência e comece a se observar a partir do corpo como um ser vivo e em constante relação com o meio.

Esse processo inicial, nós chamamos de escaneamento, pois levamos nossa atenção para o todo e para as relações que estabelecemos com o ambiente, assim, no decorrer da lição poderemos observar mudanças. Após as lições e as explorações dançadas propostas nas aulas, relatos de mudança na percepção corporal, como a sensação de partes que antes não estavam claras e que depois da aula se fizeram presentes, foi unânime entre os participantes. Novos caminhos surgiram para a exploração da dança, potencializando a investigação criativa de cada uma e de cada um. A emoção tem sido presença constante.

05 de novembro de 2022

Sobre o projeto

O projeto Corpo Móvel: Dança e Método Feldenkrais, se propõe um Laboratório de experimentação de movimento, que trabalha na interface entre dança e Método Feldenkrais de Educação Somática. Originalmente foi pensado para estudantes e profissionais da dança, buscando construir pontes entre formação e profissionalização, aproximando o ensino e a atuação em dança das práticas de si.

A edição 2022/2023 foi aprovada no edital FEC 01/2021 – Desperta Cultura com patrocínio do Fundo Estadual de Cultura de Minas Gerais.. Com 36 horas de prática, divididas em 2 módulos, teve duração de 6 meses e foi desenvolvido de forma remota e virtual. A princípio, o alcance geográfico do projeto compreendia o estado mineiro. Para minha surpresa, comecei a receber mensagens sobre a possibilidade de participação de alunos de outros estados. Outra questão que surgiu no decorrer do período de inscrições foi o público-alvo. O projeto se destinava a dançarinos e pessoas que tem no movimento sua área de atuação, mas comecei a receber mensagens de pessoas que não eram do campo da dança, mas gostariam de fazer o laboratório. Por que não abrir, então, o projeto para todo o Brasil? E quem não é da área e gostaria de fazer? A dança nesse contexto é somente artística e performática? E quanto à quantidade de vagas? Abri 20 vagas, mas diante da demanda e do desejo das pessoas, esse número era o ideal? Ao refletir sobre essas questões decidi expandir o projeto. Desta forma tivemos 35 inscritos entre Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Amazonas.

Mas a vida e as escolhas pessoais se encarregam de modificar o já estabelecido. Nesse sentido, 22 inscritos compareceram para nossa primeira aula. Somos dançarinos profissionais, amadores, estudantes de dança no âmbito universitário, em escolas livres e cursos técnicos. Somos psicólogos, educadores, fisioterapeutas. O que nos une? O Método Feldenkrais e a possibilidade de expandir nossa consciência perceptiva; de fazer um trabalho sobre si e desenvolver uma atenção plena nas ações e funções motoras; de desenvolver a criatividade na dança; de melhorar lesões e dores crônicas; de desenvolver uma melhor qualidade de vida e bem-estar. O primeiro dia de nosso laboratório foi bastante especial. A diversidade continuou presente para que unidos pudéssemos estudar sobre o alinhamento de nossas ações com nossas intenções; sobre a distribuição do esforço por todo o corpo; sobre o reconhecimento de nossos desejos. Como nos aponta Moshé Feldenkrais, saúde é a capacidade individual de ir na direção da realização de nossos sonhos declarados e não declarados. Após a primeira aula, palavras como leveza, integração, presença, pulsação e amplitude, surgiram para expor as sensações experienciadas, na prática, pelos seres plenos de alegria que estão participando desse projeto.